domingo, 23 de maio de 2010

Combate

O gosto amargo
Da solidão em minha boca
Me faz pescar o fio da meada
Do meio-tédio em que me mergulho.

O encontro fatal
Da saliva e da fumaça
Me resgata delírios poéticos.
O tremer da imagem na TV
E os restos de som que sobram no ar
Me lembram esquecimentos remotos
Os quais supus esquecidos

O toque regenerador do creme dental
Me limpa a alma e os dentes
E nessa contemplação de sentidos
De sensações e libidos
Me acho e me analiso
Abro as portas de mim ao perigo
E as janelas de meu espírito
Aos fantasmas com os quais brigo
E na luta contra o papel
Sou vencedor e vencido
Deixo escorrer as palavras,
Os versos, em duplo sentido.

A noite me engole e devora
Me oferece um modesto abrigo
O papel me adverte: “acabou!”
“Por que me manchas com teus caprichos ?”
Me interrompo e me fecho
E me apago pela metade:
Findo....

Belém, 25/04/2000.

O Peregrino

O homem caminha sozinho
E ninguém o vê
Pois chove muito em sua alma
E a nuvem negra que o esconde
Esconde também seu caminho
E as verdades em que ele crê.

O homem caminha entre espinhos,
Entre os restos de um vago prazer
E os humanos que estão ao seu lado
Não lhe sentem a dor de viver,
Pois não sabem que seu destino
É um caminho de terno sofrer

O homem caminha entre sonhos,
Entre vidas e vícios alheios,
Pois seu sonho, esqueceu no caminho
Esquecido de onde ele veio
E aonde vai invisível e medonho
É impossível alguém o sabê-lo

O homem caminha disposto,
A chegar onde ninguém chegou
E por mais esquecido que seja
Ele segue em sua estrada remota
Sem pensar nos degraus que estão postos
Pois de nada adianta o retorno

O homem caminha absorto
Como só lhe restasse essa sina
Que o destino cinzento lhe deu.
E esse homem que cruza as esquinas
Sem amigos, irmãos ou consolo,
Esse homem que vaga sou eu.

Belém, 24/12/1997.

Escorre-me o poema

(À Max Martins)

Escorre-me o poema
Como gota de sangue opaca
Como orvalho na flor intacta
Na manhã que ora entra em cena
Escorre-me o poema ...

Escorre-me o poema
Entre os lábios entreabertos
Como vômito infecto
Escorre, e me envenena

Escorre-me a poesia
Qual suor de febre ardente
Ou cachoeira estridente
Que me atormenta e sacia
De uma infeliz alegria
Escorre-me o poema

Escorre-me a poesia
E a multidão ocupada
Que não percebe a agonia
Em que se encontra banhada

10 de junho de 1997

O retorno

Eis-me de volta
ao reino sagrado da poesia
onde as palavras atingem a máxima potência
onde dizer não é o antônimo de não dizer.

Poema que cai

Cai um ai
e se despedaça
no chão
do papel
que, molhado,
se rasga
e se decompõe
em partículas
líricas
o ai,
o papel,
o homem
silábico.

05 de outubro de 1999.